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Apenas um pequeno gesto…
Será fácil ser director de uma Banda de Música ? Trará prestigio ? Será reconhecido o seu trabalho e a sua dedicação ?
Porque será que alguém com 63 anos de idade, com a vida completamente estabilizada, com mais de 60 funcionários a seu cargo, com o dia entre as 07:00 e as 21:00, de segunda a sexta-feira, totalmente preenchido, se entrega de alma e coração à causa da Banda Marcial do Vale – Banda da sua terra – enfrentando os inúmeros problemas característicos de uma instituição desta natureza ?
Porque será que rejeitou outras actividades que lhe proporcionavam mais e maior sucesso e optou pela Banda ?
Será tarefa fácil, simples, lucrativa ?
O que faz, ou pode fazer, com que um homem sem qualquer afinidade a uma Banda ou á Musica, sem antecedentes musicais, se decida sem hesitar, remando contra um mar de tribulações, ultrapassando todos os obstáculos e consiga fazer autênticos milagres na saúde moribunda da Banda ? Apenas um pequeno gesto, uma demonstração de respeito.
São, muitas vezes, as pequenas coisas que fazem a diferença, que nos chamam a atenção, que nos repreendem, que nos convidam, que nos ensinam…
No caso de Avelino Ferreira, foi, exatamente esse pequeno gesto que fez com que a Banda ganhasse um aliado que lhe viria a ser fundamental para o seu crescimento em flecha e sustentado.
Em Agosto de 1970, no dia da festa do Vale, cerca das 10:30 aproximava-se do arraial um cortejo fúnebre com destino à Igreja matriz. A Banda apercebeu-se, preparou-se, foi ao encontro do cortejo e acompanhou-o com a execução de musica adequada (fúnebre) até à Igreja.
Era o último adeus a uma bebé de nove meses filha de Avelino Ferreira que ia nesse dia a sepultar.
Este acto espontâneo de Banda fêz com que o nosso protagonista nunca mais esquecesse a atitude, passasse a nutrir pela instituição tal respeito e apreço, e mais tarde dedicação, que viria a ser pedra fundamental na consolidação do seu desenvolvimento, como é patente hoje. Foi o despertar de uma “vocação” para uma área da qual nunca se tinha lembrado antes.
Nunca havia prestado, verdadeiramente, atenção á Banda, antes. Após esse dia, a sua sensibilidade ficou de tal forma afectada que sempre que lhe era solicitado apoio, não só o prestava como incitava outros das suas relações a fazerem o mesmo. Foram inúmeras as vezes que a Banda lhe solicitou colaboração, de vária ordem, e que Avelino Ferreira sempre atendeu sem reservas. Passaram-se mais de 20 anos desde então até que um dia lhe foi formulado o convite para participar no elenco directivo. Acedeu em 1993, a participar nos orgãos sociais da Banda Marcial do Vale como vogal. Nessa altura a Banda atravessava uma das piores fazes da sua história. O instrumental estava completamente obsoleto. A média etária elevadíssima. Pouco mais de 30 músicos. A tesouraria descapitalizada. A farda, já nem o parecia, a cair de velha. Restava apenas a sede, que de certa forma tinha sido também fruto do empenho de Avelino Ferreira enquanto membro da assembleia de Freguesia. Com o nível artístico, reconhecidamente pobre, havia a necessidade urgente de o elevar. A pouca juventude que frequentava a Banda não manifestava muito entusiasmo, enfim, o quadro era desolador , era preciso uma transformação de fundo.
Que fazer ? Que acções tomar para mudar ? Por onde começar ?
Objectivos urgentes a levar a cabo:
– Mudar o instrumental;
– Elevar o nível artístico;
– Mudar a farda;
– Criar e desenvolver a escola de musica;
– Criar condições de autonomia em termos de transporte para musicos e
instrumental;
– Actuar no mercado alvo – O minho;
O seu dinamismo foi tal a partir de então, evidentemente com o apoio, possível, da restante da direcção, que as acções para conseguir apoio para mudar o instrumental começaram a surtir efeito. Entre os seus amigos pessoais, amigos da Banda, sócios e simples simpatizantes, lá se foram conseguindo pequenos donativos que serviram para concretizar os primeiros objectivos. Os pedidos de apoio ás entidades oficiais foram movidos com insistência – como tem de ser para se conseguirem – e, lentamente lá foram chegando. A farda e a escola de música foram também alvos de primeira instância. Desenvolveu-se a escola de musica de tal forma que foi necessário criar uma Banda Juvenil para absorver os jovens que a frequentavam e que precisavam praticar antes de entrarem para a Banda mãe. Criou-se Banda Juvenil da Banda Marcial do Vale, que viria a gravar dois Cds e que era um orgulho para Avelino Ferreira.
Face ao entusiasmo que irradiava de todas estas acções, o nível da Banda começou efctivamente a subir. A Banda tinha – e tem – um maestro jovem e dinâmico que acompanhou a “garra” dos directores e na selecção de músicos o critério da qualidade foi, e é, ponto da maior importância. Contudo o controlo dos custos foi também de especial relevo. Musicos que pudessem assistir a todos os ensaios, era questão fundamental no seu recrutamento. O transporte foi solucionado com a compra de uma carrinha em segunda-mão mas em bom estado de conservação. Os contratos para o Minho foram também conseguidos. A Banda sofreu uma tremenda transformação. Algo nunca visto. Era-lhe reconhecido o seu dinamismo e a sua capaciadade de organização.
Pai de 9 filhos “e estão todos bem” como ele dizia. Encarregado geral de uma empresa de calçado bem sucedida, pautou sempre a sua vida pela honestidade, disciplina, organização e trabalho, muito trabalho. Palavra que este homem assuimisse jamais seria alterada ou posta em questão. Dizia Avelino Ferreira que “era escravo da sua própria palavra”. E era !
Faleceu em Fevereiro de 2002, nove anos após ter assuimdo cargo na direcção da Banda. Todos os seus objectivos foram atingidos sem que a banda se endividasse em um tostão. Quão grande era a força e a capacidade deste homem ! Não partiu sem deixar concluida a tarefa que se propôs levar a cabo.
Do que ele não seria capaz de fazer se ainda estivesse entre nós ?
Deixou muitas saudades e a sua passagem pela Banda Marcial do Vale ficará indelevelmente ligada á instituição e todos os que de alguma forma lidaram com ele. Foi um exemplo para todos. Todos sentimos a sua falta. Todos honramos a sua memória.
Extraído do CD “Memórias” da Banda Juvenil do Vale, dedicado ao saudoso Avelino Ferreira.