Uma vida cheia de experiências

O homem que fez grande parte das transcrições de Orquestra para a Banda Sinfónica da GNR tem agora 76 anos de idade. É um homem que tem espírito jovem e fala de si próprio, da sua vida e do seu percurso musical, desde a infância até aos dias de hoje, com clareza, com vitalidade e com entusiasmo. É um músico fantástico e diz que, apesar de estar reformado da Guarda ha mais de 20 anos, acorda por vezes a pensar que não quer chegar atrasado ao ensaio. Mas, na verdade, nunca chegou atrasado, nem a concertos nem a ensaios, durante mais de 30 anos de carreira. Há bem pouco tempo, a Banda da Guarda, num concerto em Arouca, dirigido pelo seu conterrâneo e amigo António Costa, fez-lhe uma homenagem pública, elogiando quanto este homem fez pela Banda da GNR enquanto lá exerceu a sua actividade.
O Início na Música
Nasceu na freguesia de Alvarenga, concelho de Arouca e Distrito de Aveiro, em 17 de Maio de 1928. Filho de Joaquim Mendes e de Emília Alves Mendes, o Fernando começou a aprender música porque era necessário formar um grupo de músicos para acompanhar uma missa nova, de um padre que se ia ordenar.
Ensaiava o grupo um padre, professor no seminário de Lamego.
– Perguntaram-me se eu queria ir para a música e lá fui tocar saxofone. Tentava tocar…
O primeiro Professor
– Quem me ensinou solfejo foi um rapaz de S.Pedro da Cova (Gondomar), chamavam-lhe “O Arouca”. Trabalhava na extracção do volfrâmio aqui em Alvarenga. O rapaz tocava flauta na Banda da sua terra. Começou a ensinar-me solfejo em 1945. Passava-me os exercícios escritos por ele em papel normal. Entretanto, acabou o volfrâmio em Alvarenga, o “Arouca” teve de regressar à sua terra e lá fiquei eu sem professor.
O “ABC” da Música
– Mandei vir de uma casa de produtos musicais de Coimbra um método de solfejo para continuar, agora de forma autodidacta, a estudar. O Título era “O ABC da Música”. Lá estudei este método rapidamente e mandei vir outro mais evoluído: “Método de Solfejo de Freitas Gasul”. Solfejei-o e daí comecei a fazer, inclusivamente, umas marchas para o grupo. Nem sei como ! Fazia acordes que nem sabia classificar. Mas tinha gosto em fazer aquelas composições. Ouvia mentalmente a melodia e o acompanhamento e escrevia conforme entendia que soava melhor.
A família Galvão Teles
– Vinha uma senhora passar férias, todos os anos, a Alvarenga, que pertencia à ilustre família Galvão Teles e que residia em Lisboa. Tinha o curso de Piano do Conservatório. Um dia viu-me dirigir o grupo com obras escritas por mim e perguntou-me onde havia aprendido. Contei-lhe do tal “Arouca”. Ela pediu-me uma partitura e levou-a para Lisboa. Mostrou-a a um professor de Harmonia do Conservatório Nacional, que se chamava António Eduardo da Costa Ferreira, ao que ele lhe terá dito que “é uma pena não aproveitar a vocação do rapaz”.
Lisboa em 1947
– A convite dessa senhora, e a expensas da mesma, fui para Lisboa estudar em 1947. Ela matriculou-me no Conservatório e aí fiz todas as disciplinas sem qualquer problema. Como tinha 18 anos, – a idade mínima para fazer acumulações – acumulei tudo o que era necessário de solfejo. Harmonia, estudava com o professor que me tinha recomendado a protecção da tal senhora, António Eduardo da Costa Ferreira, muito conhecido do maestro de então da Banda da GNR, Capitão Alves Ribeiro.
Do Violino para o Contrabaixo
– Estudava Violino, no 8º grau, quando resolvi mudar para Contrabaixo com o objectivo de concorrer à Orquestra Sinfónica. Apesar de ter o apoio financeiro da minha conterrânea, entendia que já era tempo de começar a assumir as minhas despesas. A possibilidade como Violinista era exígua porque a Orquestra não precisava, havia vaga em Contrabaixo e decidi mudar com o fim de entrar e começar a ganhar dinheiro. Comecei então a estudar Contrabaixo.

A Banda da GNR e os vários instrumentos
– Um dia, uma colega do Conservatório, que era filha de um tenente da GNR, sabendo da minha intenção de obter alguns rendimentos perguntou-me:
– Porque não vais concorrer à Banda da Guarda? O meu pai pode falar com o maestro e tu vais lá fazer exame. Com os conhecimentos que tens de certeza que entras.
– Não achei má ideia. Disse-lhe então que falasse ao pai.. O pai da rapariga falou com o Cap. Alves Ribeiro, deu-lhe a conhecer as minhas competências mas, na altura não havia vaga em Contrabaixo de Cordas. O Chefe da Banda da Guarda, reconhecendo que eu era útil à Banda, disse-lhe que eu concorresse em Trombone de Pistons e depois passaria para o Contrabaixo. Arranjaram-me um Trombone e lá fui eu fazer exame. Dei uma escala com muita dificuldade, mas na parte teórica sabia tudo. Entrei para a Banda e colocaram-me em Trompa de Harmonia. Era o Adácio Pestana que me ensinava. Concorri a Cabo em Trompa. Porém, tinha dificuldade nas notas agudas. Abriu um dia um concurso para 2º Sargento em Tuba. Havia uma vaga. Preparei-me em Tuba, concorri à vaga e fiquei aprovado para 2º Sargento. Para 1º Sargento, concorri em Contrabaixo de Cordas e fui aprovado. Corria o ano de 1965.
A Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional
– Em 1958, eu e mais três colegas entrámos para a OSEM como reforços. Por lá fiquei nessa condição até ao ano de 1966, ano em que fiz concurso para entrar no quadro da Orquestra. Na altura era autorizado pelo ministério a pertencer ao quadro da Orquestra cumulativamente com a situação da Banda da GNR. Fazia-se um requerimento ao General, que por sua vez o remetia ao ministro e este aprovava. Na Orquestra fiquei até à sua extinção em 1988.
Sopros e Cordas da GNR na Orquestra
– Na altura todos os instrumentistas de Sopro e muitos das Cordas eram da Banda da GNR.
A escola das Orquestras
– Efectivamente a escola das Orquestras reflectia-se na Banda da Guarda e a sua qualidade era obviamente superior às congéneres. Vinham bons maestros dirigir a Orquestra e essas experiências, esse saber assimilado pelos músicos da Guarda que lá tocavam, era depois transportado para a Banda. A Banda da GNR, ao permitir que os seus músicos fossem tocar às Orquestras, usufruía de todo um saber, adquirido a um nível muito superior ao seu. Naturalmente, isso fazia com que a Banda se destacasse em relação às outras.
As outras Bandas Militares não tinham qualquer relevância na altura
Quando faltava algum dos sopros na Orquestra, se a Banda da GNR tinha serviço, era um problema, porque não havia quem o substituísse das outras Bandas. Uma vez a Banda da GNR foi convidada para ir tocar ao Brasil. Para substituir o Clarinetista em Mib (Requinta), que era o Botelho da Banda da Guarda, tiveram que chamar um Clarinetista da Orquestra Sinfónica de Madrid.
As Transcrições
O Maestro da Banda da Guarda na altura, Capitão Silva Dionísio, perguntou-me um dia se eu era capaz de fazer transcrições de Orquestra para Banda. Eu disse-lhe que podia tentar. Ele entregou-me a primeira obra e comecei então a fazer a 1ª transcrição na minha própria casa. Tinha liberdade para ficar o tempo que quisesse a fazer o trabalho. Não é simples fazer uma transcrição de Orquestra para Banda. Exige conhecimentos profundos de instrumentação e de várias outras áreas, e leva muito tempo a fazer. Era tudo copiado à mão. Mas como eu trabalhava na Banda e na Orquestra, conhecia sobejamente bem ambas as formações, era-me relativamente fácil a transcrição propriamente dita. A cópia é que demorava muito tempo. Fiz muitas transcrições que ainda hoje se tocam. A 8a. Sinfonia de Dvorak, que ouvimos no convento em Arouca em 11 de Julho de 2004, excelentemente executada pela Banda da GNR, a V de Schostakovich e muitas outras….

Participação noutras Orquestras
– Fui fazer muitos reforços à Gulbenkian.
O orgulho de quem ajuda
– As pessoas que me ajudaram, sentiram-se orgulhosas com a minha dedicação e por ter conseguido todos os meus objectivos e os deles, que eram o desenvolvimento da minha vocação. Casei com 29 anos, com uma conterrânea minha. Tenho uma filha que, com 6 anos, começou a aprender violino e hoje é violinista, solista “A” na Orquestra Gulbenkian.
A Banda de Alvarenga
– Dirigi várias vezes a Banda de Alvarenga durante os meus períodos de férias. Fiz uma transcrição de um concerto de Mozart para Trompa e Banda, quem o tocou foi o Professor António Costa, e quem dirigiu fui eu. Dediquei à Banda uma Marcha que fiz com o nome “Alvarenga em Marcha”, que foi executada como extra programa no concerto acima referido, em Arouca.
Aposentação
Um período para viver tranquilo e usufruir a vida
– Agora que estou reformado, e já lá vão uns “anitos”, de vez em quando assisto a um concerto. Quando posso, ora estou em Alvarenga, ora estou em Lisboa onde ainda tenho casa.
Ouço música, passeio, convivo, tento viver a vida o melhor possível…
– Este é um pequeno retrato do meu passado.
Fernando Mendes, um músico, de Alvarenga, que fez história na Banda da GNR.