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O Ratinho …
Uma personalidade como esta tem de figurar no conteúdo deste site. O “Ratinho” faz parte integrante do universo da música e das Bandas Filarmónicas. Sempre foi uma referência no meio e as referências são de preservar. É nossa obrigação fazê-lo.
José Custódio da Silva Gonçalves
Major Chefe de Banda
Nascido em Estorãos, Ponte de Lima, em 1941 José Gonçalves, logo aos 9 anos iniciou os seus estudos musicais na Banda de Moreira, com o maestro de então, Daniel Leones – Pai do presente maestro da Banda da GNR do Porto – que pertencia a uma freguesia próxima de Estorãos. O seu primeiro instrumento foi Fliscorne. Mais tarde, já na Banda de Ponte de Lima, optou pelo Bombardino. Nesta Banda viria a permanecer como instrumentista até aos 18 anos.
Aos cinco dias do mês de Abril, de 1960 assentou praça, como era uso dizer-se, na Banda de Infantaria 6 no Porto, como aprendiz de Música, categoria por onde todos teriam obrigatoriamente de começar. Ingressou instrumento de Trombone.
Em Outubro desse mesmo ano, concorreu ao Conservatório de Música do Porto, sendo admitido directamente no 2º ano de Solfejo e Instrumento – Trombone – onde teve como professores o famoso António Gomes que exercia as funções de Maestro da Banda da GNR do Porto, sendo simultaneamente instrumentista de oboé na Orquestra Sinfónica e o, não menos famoso, J. Neves.
Concluído o Curso de Trombone e Solfejo no Conservatório com alta classificação, foi convidado para ministrar aulas de Formação Musical na Academia de Espinho, corria o ano lectivo de 1962/63. Nessa altura era também convidado para tocar Bombardino na Banda daquela cidade. Em determinada altura, por sugestão de António Gomes, começou a dirigir essa mesma Banda. Era a sua estreia como Maestro, sendo ainda e somente soldado na Banda de Infantaria 6.
Entretanto a Tuna de Serzedo interessou-se pelo seu trabalho convidando-o a dirigi-la. Foi um desafio novo porque devido à presença de instrumentos de corda, teve que, de uma forma autodidacta, aprender o necessário sobre essa nova família de instrumentos. Foi um progresso; esta situação viria a fazer com que no total, o Soldado Gonçalves, ganhasse mais do que um Capitão.
Em 1963 concorre a Cabo Músico. Em 1964 concorre a sargento, em Bombardino, sendo colocado em caçadores 5, Campolide, Lisboa.
Bem, os tempos que se seguiram não foram de maneira nenhuma fáceis. Sendo um homem do norte, habituado às bandas do norte, pessoa simples, do povo, modesto como sempre e humilde, já tinha um largo historial de trabalho relacionado com bandas e com a música no norte do país. As pessoas ligadas à música e não só, conheciam-no e respeitavam-no. As bandas filarmónicas consideravam-no uma espécie de Guru. O Mestre Gonçalves, o Ratinho não se adapta no sul nada bem. Era a distância, o clima, o ambiente…. Complicado este período da sua vida. Chegando a pensar até que não sobreviveria. Com muita dificuldade conseguiu convencer o Chefe da Banda de Caçadores 5 e trocou de região militar com um colega que estava no Porto.
Regressado ao Porto, agora sem dirigir Banda nenhuma devido à sua malfadada ida para Lisboa, teve, da parte do seu antigo professor, o António Gomes, um pedido para que o substituísse em Vale de Cambra, por cinco festas, porque o Maestro Gomes tinha que reger a Banda da GNR do Porto, em concertos públicos nas mesmas datas.
Em 1967, António Gomes sai de Vale de Cambra e é substitudo pelo seu irmão Manuel Gomes que estava a dirigir a Banda de Espinho.
Ainda no tempo do Maestro António Gomes em Vale de Cambra, a Banda era protegida por um tal senhor Almeida, que a provia de tudo o que precisasse. Concentrou ali bons músicos e com os conhecimentos do António Gomes a Banda atingiu um excelente nível. O Manuel Gomes, tocava Corne Inglês na Orquestra Sinfónica. Um dia foi requisitado para tocar numa ópera em Lisboa e, vendo-se impossibilitado de estar em dois sítios ao mesmo tempo, recorreu também ao Maestro Gonçalves, para que o substituísse na Banda.
No dia seguinte a essa festa, os músicos da Banda falaram com o Sr. Almeida, dizendo que queriam de futuro José Gonçalves como maestro da Banda. E assim foi desde 1967 a 1971.
Em 1971 houve um concurso de Bandas promovido pela FNAT. As Bandas foram sendo eliminadas até que ficaram as Bandas da Trofa e de Revelhe de Fafe em primeiras categorias.
O Maestro Gonçalves foi convidado pela Banda de Revelhe para dirigir a peça obrigatória e a peça do concurso – O “Arco-Iris”. Como só a Banda da GNR a tocava, Gonçalves, com vontade de fazer o melhor, modéstia e humildade que o caracterizam, pediu ao Taneco, um seu amigo da Banda da GNR que o ajudasse na abordagem interpretativa da obra. Ensaiou-a conforme as dicas do Taneco e no concurso empataram aos pontos com a Banda da Trofa.
Face a este resultado os músicos da Banda de Revelhe convenceram o presidente a contratá-lo para ser o futuro Maestro. O presidente Armindo Alves apresentou-lhe uma proposta bastante aliciante. A Banda era de excelente nível e de elevado prestígio. Ponderadas estas coisas tinha vontade de aceitar o lugar.
Mas, estando a dirigir a Banda de Vale de Cambra, não podia aceitar a proposta de Revelhe assim sem mais nem menos. Dialogou com a sua direcção de Vale de Cambra sobre o assunto. Apresentou os seus argumentos e, resolvida a questão, sem deixar ninguém mal, passou a ser o regente de Revelhe a partir do fim da época 1971.
Em 1981 a Banda de Espinho quer contratá-lo de novo. A proposta era boa. Deu que pensar. Nessa altura, já estava o Maestro Gonçalves com o intuito de concorrer ao Curso de Oficiais Chefes de Banda. Ora como vivia perto de Espinho, precisava de estudar para o curso e a distância até Fafe era um inconveniente em termos de tempo perdido, sendo a proposta de Espinho deveras aliciante; aceitou. Contudo, a decisão só foi tomada após conversar e negociar a saída de Revelhe.
Bem, foi o regresso à Banda de Espinho até 1994, ano em que por incompatibilidade com o serviço da Banda da Região Militar Norte, de que era o chefe, deixou as Filarmónicas. Reformou-se do Exército no ano de 1997. Interrompeu nesse ano a sua actividade musical.
Por especial atenção, em 2001, aceitou voltar à Banda do seu concelho – Ponte de Lima – convite do Exmo Presidente da Câmara Municipal, Dr. Daniel Campelo, onde neste momento se encontra de novo, em plena actividade Filarmónica, como maestro.
Quem o ensinou a dirigir foi o António Gomes?
Não. Apenas me deu algumas instruções sobre os andamentos. Como eu solfejava com muita facilidade a técnica de regência foi fácil de aprender. Quando andava no conservatório do Porto, nos cerca de 200 alunos, eu destacava-me. Cheguei a receber um prémio da Gulbenkian.
Que repertório se tocava na altura em que dirigia a Banda de Revelhe, Vale de Cambra e Espinho?
O repertório era o possível. Transcrições das aberturas das Óperas e na década de 70 Amilcar Morais, Ilídio Costa, Miguel de Oliveira marcaram também a época com obras e arranjos seus.
António Gomes foi sempre o “supra-sumo” na direcção?
Na minha opinião: sempre! Foi sempre o mais capacitado de todos os que conheci. E se fosse vivo ainda seria, tenho a certeza.
Mas porquê?
Porque possuía qualidades que não se aprendiam nas escolas. Ele conseguia influenciar toda a Banda. Obtinha o domínio total com toda a naturalidade e espontaneidade. Como ele tocava Oboé na orquestra, é possível que tenha assimilado muita coisa que não era normal nas Bandas, mas que ele aplicava e resultava.
Porquê a alcunha “Ratinho”?
Bem, isso já é antigo. Quando recruta eu era pequeno e franzino. Na fila para o almoço, com 60 ou 70 militares, todos conversando, eu ia furando pouco a pouco e colocava-me na frente de todos, de modo que quando abriam a porta para entrar eu era quase sempre o primeiro. Os outros colegas quando reparavam diziam:
– Olha, então aquele tipo já esta acolá? Aquele é um rato do caraças…
E assim ficou a alcunha do “ratinho”.
Quando ascendeu a oficial e quando passou a ser Chefe de Banda?
De 1983 a 1985, depois de concluir o curso de oficiais, eu vim chefiar a Banda da Região Militar do Norte. Tinha 44 anos. Naquela altura era muito tarde quando se ia a chefe de Banda.
É do tempo da Banda da Infantaria 6. Era uma grande Banda como dizem?
Diziam que na altura era a Banda com melhor qualidade das Bandas militares. Aliás os melhores músicos da Banda da GNR iam da infantaria 6 para lá. Era uma Banda pequena, com pouco mais de 40 músicos mas tocava-se bem. Para o nível da altura era considerada muito boa.
Os músicos da Infantaria 6, nesse tempo, eram os maestros das Filarmónicas?
Não. Na década de 60/70 havia um segundo sargento que dirigia a Banda de Salreu e eu a de Espinho e a tuna de Serzedo. Mais ninguém. Haviam muitos regentes civis e reformados do exército que ocupavam os lugares e ficavam lá quase toda a vida. As Bandas eram pequenas; 25 músicos em média.
Que recomendações faz a músicos que queiram ser regentes de Bandas?
Primeiro tem de ter a consciência de quanto é difícil tocar música. Depois entender as pessoas no aspecto humano. Depois ter em conta a responsabilidade da função de regente, honestidade artística e moral para trabalhar com afinco e aprender constantemente sobre direcção. Saber trabalhar em função da partitura. Fazer bem o trabalho de casa para não complicar a vida aos músicos. Ter consciência que uma Banda é o rosto do maestro, e a sua imagem. Não precisa de ser uma grande Banda. Necessita de um bom ambiente social, de entusiasmo, de estímulo e de dar prazer a quem lá toca. Um regente se for bom humanamente e tiver um pouco de responsabilidade pelo trabalho consegue estas coisas sem complicar muito.
Considera, na qualidade de ex-maestro de Bandas Militares, que temos bons maestros militares hoje?
Dos que conheço posso referir alguma coisa. O Cap. Botelho, este jovem que está agora na Banda do Porto, que teve outra formação que eu não tive, considero que é um bom maestro. O Ferreira da Costa da GNR um grande músico e bom maestro. O Brito que está na Polícia e que tem formação superior na área da direcção. Os outros não conheço bem….
Dirige a Banda do seu concelho, a de Ponte de Lima. Qual o repertório que lá se toca?
Todo o tipo, como se exige hoje. Desde o clássico ao ligeiro.
Conhece alguns dos compositores modernos, como Afonso Alves, Carlos Marques, Luís Cardoso, Valdemar Sequeira e outros?
Sim, claro. Conheço-os a todos. Escrevem muito bem. Esta rapaziada nova agora tem meios para fazer todo o tipo de trabalho, que no meu tempo não existia.
O Sr. Major Gonçalves é uma pessoa de boas relações, dizem os seus amigos. Sempre foi assim ou mudou a partir de determinada altura?
Sempre fui assim. Aprendi a conhecer os feitios das pessoas e depois a lidar com elas individualmente. Sempre me saí bem. Deixei muitos amigos por onde passei. É a minha maneira de ser. Nunca me senti acima dos outros por ser regente ou oficial. Respeito toda a gente, pelo direito a que cada um tem. Passei pelas Bandas do Exército, Guarda Fiscal, PSP do Porto e nunca tive problemas com ninguém.
Considerou-se alguma vez o melhor maestro de todos, relativamente aos seus contemporâneos?
Não. Sempre trabalhei muito e ainda hoje continuo a trabalhar. Sem trabalho nada feito. Se tive e tenho algumas facilidades deve-se ao meu trabalho de casa.
A dirigir, principalmente nos concertos de gala, nunca se sentiu amedrontado quando tinha na plateia personalidades de grande importância no meio musical?
Não, nunca. Podia estar a sala cheia de quem quer que fosse. Não tinha qualquer problema.
Sempre dirigiu sem partitura?
Dirigia sem partitura por uma questão de necessidade e não de vaidade. Quando comecei a dirigir Bandas, muitas vezes, o vento levava as partituras e era sempre uma maçada. Um dia resolvi começar a dirigir de memória. Verifiquei que era muito mais confortável e que poderia haver uma interacção maior com os músicos. A partir desse momento, nunca mais usei a partitura nos concertos, desenvolvi com a experiência a memorização e ainda hoje não tenho nenhum problema em memorizar qualquer partitura, seja ela qual for.
Dizem, os que trabalharam consigo, que transmitia e transmite muita tranquilidade aos músicos em concerto. É um método de trabalho, uma estratégia…?
Sempre estudei as dificuldades de cada músico, no sentido de o poder ajudar o mais possível. O rendimento é muito maior quando se colabora. Há uma história engraçada sobre tocar a solo. Dizem que um músico passou num cemitério e leu numa epitáfio de um mausoléu a seguinte frase: “Aqui jaz quem nunca temeu”. E o músico pensou: – Vê-se bem que nunca tocaste a solo….Isto para dizer que todos temos dificuldades e todos precisamos de ajuda.
É muito popular no meio filarmónico. A que se deve isso?
Eu nunca virei as costas a ninguém. Sempre me dei bem com toda a gente. Acho que só se deve a isso.
Acha que temos boas Bandas Filarmónicas?
Sem dúvida. Antigamente haviam duas ou três boas. As outras tentavam fazer alguma coisa interessante. Agora quase não é possível identificar as que são menos boas.
Que opinião tem sobre o site www.bandasfilarmonicas.com?
Sinceramente nunca fui ao computador porque sou leigo na matéria. Mas ouço falar e acho que é muito interessante. É onde se fala de música, de Bandas, de regentes, de compositores e das ideias de todos. É bom que exista uma coisa destas. Parabéns.
Testemunhos de músicos que trabalharam com “O Ratinho”
Manuel Carvalho – Clarinete – Lic. Esmae
Homem e músico, inteligente e íintegro, sensível, humano e culto. Foi o maestro que até hoje me incutiu maior confiança a tocar a solo;
Mário Silva Cardoso – Flauta
Um brilhante músico que incentivou muita gente nova. Uma referência nacional no panorama das Bandas Filarmónicas, sem qualquer dúvida.